O sindicato é obrigado a prestar assistência judiciária gratuita ao trabalhador? 

I- Introdução.

A Constituição de 1988 conferiu poderes que singularizam o sindicato:

I- legitimidade ampla para representar a categoria (art. 8º, III);

II- participação obrigatória nas negociações coletivas (art. 8º, IV); e

III- produção jurídica setorial, por normas coletivas (acordos e convenções coletivas de trabalho), na forma do art. 7º, XXVI c/c art. 611 da CLT.

Mas será que tais poderes impõem ao sindicato o dever de prestar assistência judiciária gratuita ao trabalhador necessitado? 

O desafio é entregar esta resposta de forma clara, direta e bem fundamentada a você! 

Vamos lá!?

II- O que é assistência judiciária? 

A assistência judiciária diz respeito à representação em juízo. 

Exemplo é quando o indivíduo contrata advogado para ajuizar ação trabalhista, patrocinando a sua causa. 

É diferente da assistência jurídica que é mais ampla.

A assistência jurídica abarca a prestação de serviço jurídico nos planos:

– judicial (em Juízo); e 

– extrajudicial (fora da Justiça. Ex.: orientação jurídica). 

A assistência jurídica, portanto, engloba a assistência judiciária. 

III- Assistência judiciária gratuita ao necessitado. 

Todos podem, independentemente da capacidade econômica, ter necessidade de assistência judiciária. 

É possível que o indivíduo, p. ex., precise ajuizar uma ação para defender o seu interesse. 

Assim, quando se diz “necessitado”, na assistência judiciária, não se quer dizer necessidade do serviço e sim impossibilidade financeira de custeá-lo.  

O foco não é a hipossuficiência jurídica e sim a hipossuficiência econômica da pessoa para custear a prestação de uma atividade jurídica. 

A Constituição de 1988, por garantir a assistência jurídica, que como se viu é mais ampla, garantiu também a assistência judiciária aos necessitados: 

Art. 5º Todos (…):

LXXIV- O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. 

Portanto, a assistência judiciária integral e gratuita, aos que comprovarem insuficiência de recursos, é dever do Estado brasileiro.

IV- Assistência jurídica gratuita na seara trabalhista. 

Na seara trabalhista, a assistência judiciária gratuita, aos que comprovarem insuficiência de recursos, é dever da Defensoria Pública da União (DPU). 

É o que se extrai da combinação do art. 134 da Constituição de 1988 com a Lei Complementar nº80/1994, artigos 1º e 14. 

Art. 134- A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal.    

Art. 1º- A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, assim considerados na forma do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal.

Art. 14- A Defensoria Pública da União atuará nos Estados, no Distrito Federal e nos Territórios, junto às Justiças Federal, do Trabalho, Eleitoral, Militar, Tribunais Superiores e instâncias administrativas da União.

Após 1999, sobreveio a LC nº 98 que incluiu os 1º e 2º parágrafos à LC nº 80/1994.

Art. 14. (…)  

§ 1º A Defensoria Pública da União deverá firmar convênios com as Defensorias Públicas dos Estados e do Distrito Federal, para que estas, em seu nome, atuem junto aos órgãos de primeiro e segundo graus de jurisdição referidos no caput, no desempenho das funções que lhe são cometidas por esta Lei Complementar.       (Incluído pela Lei Complementar nº 98, de 1999).

§ 2º Não havendo na unidade federada Defensoria Pública constituída nos moldes desta Lei Complementar, é autorizado o convênio com a entidade pública que desempenhar essa função, até que seja criado o órgão próprio.       (Incluído pela Lei Complementar nº 98, de 1999).

Logo, na ausência da Defensoria Pública da União, a prestação da assistência judiciária pode ser até prestada por convênio. 

Porém, o convênio deve ser firmado com entidade pública, o que não é o caso dos sindicatos profissionais que são pessoas jurídicas de direito privado. 

V- Assistência judiciária gratuita pelo sindicato. 

Antes da Constituição de 1988, na seara trabalhista, quanto à assistência judiciária ao trabalhador, havia a Lei nº 5584/70 que, no art. 14, previa: 

Art. 14. Na Justiça do Trabalho, a assistência judiciária a que se refere a Lei nº 1.060, de 5 de fevereiro de 1950, será prestada pelo Sindicato da categoria profissional a que pertencer o trabalhador.

Para instrumentalizar essa delegação legislativa aos sindicatos, eram previstas duas fontes de custeio: 

– uma específica, tal seja a reversão dos honorários assistenciais ao sindicato (art. 16, da Lei nº 5.584/70); e

Art. 16. Os honorários do advogado pagos pelo vencido reverterão em favor do Sindicato assistente.

– uma inespecífica, ou seja, a contribuição sindical obrigatória (art. 578 e seguintes da CLT). 

Com a Constituição de 1988, esse dever imposto aos sindicatos começa a ser debatido sob a perspectiva teórica. 

Porém, como a DPU, na seara trabalhista, é mais uma ideia que realidade, a atividade continuou a ser prestada pelos sindicatos sem maiores reflexões. 

Ocorre que a Lei nº 13.725/2018 revogou o art. 16 da Lei nº 5.584/70, pondo fim à fonte específica.

E a Lei nº 13.467/2017 transformou a contribuição sindical de obrigatória para facultativa, cessando com a fonte inespecífica.  

Não havendo fonte de custeio, não se pode conceber a obrigação de cumprir tal delegação de prestação de assistência judiciária gratuita ao necessitado. 

VI- Assistência judiciária gratuita e estratégica sindical. 

Para alguns, a assistência judiciária deveria ser prestada, gratuitamente, pelos sindicatos, porque isso lhes atrairia mais filiados. 

Seria, portanto, tal como se afirma, uma estratégia sindical importante de aproximação do sindicato com a categoria por ele representada. 

De fato, pode sim se revelar em uma estratégia interessante, mas que esbarra em duas importantes questões.

Primeiro, os recursos dos sindicatos laborais, ao contrário de seus desafios nas relações de trabalho brasileiras, são finitos. 

Portanto, para se disponibilizar assistência judiciária gratuita, alguém terá que pagar por isso. E quem pagará?

Segundo, ainda que se entenda interessante a prestação da assistência judiciária gratuita, pelo sindicato, cuida-se de mera opinião.

A liberdade sindical implica entender que o que é bom para os trabalhadores é matéria de deliberação exclusiva dos próprios trabalhadores.

Portanto, impor aos sindicatos tal dever jurídico, sob o argumento de conveniência e oportunidade, viola a liberdade sindical.

VII- Conclusão. 

Tal como se demonstrou, os sindicatos brasileiros não têm, atualmente, o dever jurídico de prestar assistência judiciária gratuita ao trabalhador necessitado. 

Trata-se de uma atividade cujo dever é do Estado (art. 5º, LXXIV da CF/88).

A ser prestado, na seara trabalhista, pela Defensoria Pública da União (art. 134 da CF/88 c/c art. 1º e 14 da LC nº 80/1994). 

Se, na localidade, não houver Defensoria Pública da União essa atividade pode ser prestada por entidade pública, por convênio (art. 14, parágrafos 1º e 2º da LC nº 80/1994, incluídos pela LC nº 98/1999). 

O sindicato é pessoa jurídica de direito privado. 

Antes da Constituição de 1988, a Lei nº 5.584/70 previa tal obrigação sindical com a contraprestação específica que seriam os honorários assistenciais. 

E também havia a contribuição sindical obrigatória que seria uma espécie de contraprestação inespecífica. 

Porém, essas duas fontes de custeio à atividade de assistência judiciária gratuita pelo sindicato cessaram – Lei nº 13.725/2018 e Lei nº 13.467/2017.

Não havendo fonte de custeio, não se pode conceber a obrigação de cumprir tal delegação de prestação de assistência judiciária gratuita. 

Tampouco se pode obrigar o sindicato sob o argumento de ser conveniente, eis que quem decide o que é ou não conveniente são os trabalhadores. 

Logo, a imposição sob esse argumento violaria a liberdade sindical. 

Entendido!?

Vamos juntos!?

Até a próxima! 

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One Comment

  1. Parabéns ao Professor e Procurador JEFERSON pelo artigo objetivo, preciso e esclarecedor, mas, sobretudo, baseado e supedaneado na CF e na lei. É isso mesmo: na nova ordem jurídica brasileira os sindicatos não são mais obrigados a prestar assistência judiciária gratuita aos trabalhadores necessitados (isso é obrigação do Estado), podendo fazê-lo por conveniência e oportunidade, porém, mediante fonte específica de custeio, que pode, inclusive, ser buscada, discutida e aprovada pela respectiva categoria, no foro competente, que são as assembleias soberanas. Tudo isso é corolário do caro princípio da liberdade sindical, ainda, infelizmente, não apreendido por todos no nosso país.

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