Dispensa Coletiva ou Dispensa em Massa?

I- Introdução.

A expressão “dispensa em massa”, no Brasil, ganhou força, em 2009, no famoso “caso Embraer”.

Foi a primeira intervenção expressiva do sistema de Justiça, pela negociação coletiva prévia diante da dispensa coletiva de trabalhadores. 

Na oportunidade, atingindo cerca de 4.000 empregados, utilizou-se a nomenclatura que acabou ganhando força no linguajar jurídico nacional.  

Tanto que o STF, na tese de repercussão geral nº638, referiu-se à “dispensa em massa”, a exemplo do que havia feito, antes, a Justiça do Trabalho. 

Até se compreende, na época, pela novidade e impacto numérico, a utilização da ideia de “massa” ou, para alguns, “massiva”, a fim de retratar a lesão. 

Mas o fato é que a nomenclatura “dispensa em massa” é insuficiente para exprimir o que seja, tecnicamente, dispensa coletiva. 

Também traz a falsa ideia de atingimento necessário de uma “massa” de trabalhadores, potencializando o viés interpretativo prejudicial à própria tutela. 

É sobre a impropriedade terminológica da expressão “dispensa em massa” que iremos tratar neste artigo.

Vamos lá!?

II- O que caracteriza uma Dispensa Coletiva? 

A redação do art. 477-A da CLT é, sem dúvida alguma, confusa, incongruente e inconclusiva... 

Mas isso é uma conversa mais longa e para outro artigo. 

Não obstante essa constatação, fato é que o art. 477-A da CLT, em seu texto, referiu-se, corretamente, à dispensa coletiva e não à dispensa em massa. 

Isso porque a dispensa coletiva, para a sua caracterização, não pressupõe o atingimento de uma “massa” ou “multidão” de trabalhadores. 

Em outros termos, a retratação do fenômeno social está no impacto causado pela coletividade da dispensa e não, necessariamente, na sua “massividade”. 

A dispensa coletiva é aquela que se fundamenta em causas objetivas (técnicas, econômicas, de organização, de produção etc).

Olha-se, no caso da dispensa coletiva, para um ou mais elementos objetivos e não, necessariamente, para o atingimento de uma multidão de trabalhadores.

A Nota Técnica nº7 da CONALIS sobre Dispensa Coletiva e Proteção Social, do Ministério Público do Trabalho (MPT), traduz a dispensa coletiva, explicando os seus fundamentos:  

2.6.	A dispensa coletiva se fundamenta em causas objetivas, como causas econômicas, técnicas, organizativas ou de produção e análogas (Recomendação 166 da OIT, art. 51 do ETE - Espanha; art. 46 LPCL - Peru; art. 238 da LGTA - Angola).  Entre as causas objetivas, enquadram-se:

2.6.1.	Motivos de mercado, como a redução da atividade da empresa provocada pela diminuição previsível da procura de bens ou serviços ou impossibilidade superveniente, prática ou legal, de colocar esses bens ou serviços no mercado (art. 359, 2, Código de Trabalho de Portugal (CTP); art. 46 LPCL - Peru); 

2.6.2.	Motivos estruturais, como o desequilíbrio econômico-financeiro, mudança de atividade, reestruturação da organização produtiva ou substituição de produtos dominantes (art. 359, 2, CTP; art. 46 LPCL - Peru);

2.6.3.	 Motivos tecnológicos, como as alterações nas técnicas ou processos de fabrico, automatização de instrumentos de produção, de controlo ou de movimentação de cargas, bem como informatização de serviços ou automatização de meios de comunicação (art. 359, 2, CTP; art. 46 LPCL - Peru).

2.6.4.	Caso fortuito ou força maior (art. 98 da Lei do Emprego da Argentina; art. 46 e 47 LPCL - Peru).

E, dessa forma, acrescenta, com base no Direito Comparado, que dispensa coletiva não pressupõe o atingimento de número elevado de trabalhadores:

2.9.	Em relação ao quantitativo de trabalhadores, a dispensa coletiva não pressupõe percentual ou número alto de trabalhadores dispensados, devendo o ato e/ou fato ser analisado diante das circunstâncias observadas no contexto da situação, do porte da empresa e do número total de trabalhadores.

Em Portugal, o despedimento coletivo é o que envolve de 2 a 5 empregados, no período de 3 meses, a depender de micro, pequena, média ou grande empresa (art. 359, 1, CTP).

Em Angola, dispensa coletiva é aquela que envolve a extinção ou transformação de postos de trabalho que afetem 5 ou mais trabalhadores (art. 238 da Lei Geral do Trabalho).

Na Espanha, a dispensa coletiva corresponde àquela que abrange: 

a) 10 (dez) trabalhadores em empresas com até 100 trabalhadores; 
b) 10% de trabalhadores nas empresas que possuem entre 100 e 300 empregados; 
c) 30 trabalhadores naquelas que tenham mais de 300 (trezentos) empregados. (art. 51 do ETE).

Na Itália, a legislação prevê como coletiva a dispensa que envolve 5 (cinco) trabalhadores num intervalo de tempo de 120 (cento e vinte dias), em qualquer unidade produtiva ou em mais de uma unidade produtiva numa mesma província (art. 24 da Lei n. 223/91).

Na Alemanha, tem-se como dispensa coletiva: 

a) 05 (cinco) trabalhadores, nas empresas com mais de 20 e menos de 60 empregados; 
b) 10% (dez por cento) dos trabalhadores ou 25 (vinte e cinco) empregados nas empresas com 60 (sessenta) ou mais e menos de 500 empregados; 
c) 30 (trinta) trabalhadores em empresas com pelo menos 500 empregados (Lei de Proteção contra Demissão [PADA], 1969 (Terceira Sessão, § 17).

Na Argentina, a dispensa coletiva é a que afeta: 

a) mais de 15% (quinze por cento) dos trabalhadores em empresas com menos de 400 trabalhadores;
b) mais de 10% (dez por cento) em empresas com entre 400 e 1.000 trabalhadores; 
c) mais de 5% (cinco por cento) em empresas com mais de 1.000 trabalhadores (art. 98 da Lei do Emprego).

No Peru, a dispensa coletiva envolve mais de 10% (por cento) dos trabalhadores da empresa (art. 48 LPCL).

Portanto, tecnicamente, para exprimir uma dispensa coletiva, não há sentido restringir o fenômeno à ideia de massa.

Também a OIT – Organização Internacional do Trabalho caminha nesse sentido.

A OIT não dispõe de Convenção específica sobre dispensa coletiva. Mas há duas Recomendações paradigmáticas e aplicáveis diretamente à temática.  

A Recomendação nº166 Sobre o Término da Relação de Trabalho (1982) e a Recomendação nº163 (1981) Sobre a Promoção da Negociação Coletiva. 

Ambas se referem à dispensa coletiva e não à dispensa em massa.

E também a Diretiva 98/59/CE do Conselho da União Europeia, de 20 de julho de 1998, que utiliza a terminologia dispensa coletiva (art. 2º). 

III- Conclusão. 

A linguagem, algumas vezes, pode não ser adequada ou suficiente para retratar, em seus contornos, uma dada realidade. 

Mas certamente, ao ser repetida e de maneira acrítica, pode criar uma imagem figurativa que oculta e descontrói a realidade.  

Exemplo disso é que apesar de o STF, na tese de repercussão geral nº638, decidir pela negociação coletiva prévia, algumas decisões excluem tal proteção social, sob o argumento de a dispensa coletiva sob análise não atingir uma “massa” de trabalhadores. 

A forma como se diz, portanto, faz toda a diferença. 

É a linguagem, ideologicamente, promovendo a desproteção social, extraindo sentido incorreto pelo uso repetido de uma nomenclatura inadequada. 

Isso porque, como visto, dispensa coletiva não pressupõe, necessariamente, o atingimento de um número elevado (massa) de trabalhadores. 

Portanto, mude a nomenclatura em suas expressões (e petições) e ajude a reforçar tutela social dos trabalhadores!

Você estará bem acompanhada (o), ao lado da Nota Técnica nº7 da CONALIS/ MPT!

Da OIT e do próprio Direito Comparado!

E se você, ainda, for muito positivista, fique tranquila (ao), pois estará ao lado também do art. 477-A da própria CLT.

Vamos juntos!?

Até a próxima! 

Atenção: A reprodução de deste artigo é permitida e não constitui ofensa aos direitos autorais, desde seja citada fonte e autoria (Art. 46, I, alínea a da Lei de Direitos Autorais).

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